quinta-feira, 2 de dezembro de 2010

Intimidade

[excerto da Primeira Carta II]
Venceste» -, digo. Logo sou eu que te venço e tu perdes, pois confiado na vitória esqueces a vigilância sobre mim, que te examino.
Friamente?
Que outra maneira tenho de examinar as coisas, os outros: com toda a minha paixão? Aquela alimentada pelo simples prazer ou dor que me dá senti-la. - Assim te procuro, te uso, te escrevo; porém as palavras não são elos, nem pontes, nem laços a desatar na solidão das salas.
Em salas nos queriam às três, atentas, a bordarmos os dias com muitos silêncios de hábito, muito meigas falas e atitudes. Mas tanto faz aqui ou em Beja a clausura, que a ela nos negamos, nos vamos de manso ou de arremesso súbito rasgando as vestes e montantando a vida como se machos fôramos - dizem.
De imediato então nos querem tomar pela cintura, em alvos lençóis de cama se necessário, e filhos. Que mãos nos galgam as carnes a fim de retomarem a posse, impondo-nos matriz de dono, porque dano causamos na recusa e menstruo será o estigma que eles tomam por feminina causa de nos exigirem a vontade e silenciarem o gesto com que nos despimos ou negamos para nosso próprio proveito e palavra dada a nós mesmas.
Direito conquistámos, também, de escolher vingança, já que vingança se exerce no amor e amor nos é dado de uso: usar o amor com as ancas, as pernas longas que sabem, cumprem bem o exercício que se espera delas.


Mª Isabel Barreno
Mª Teresa Horta
Mª Velho da Costa

in Novas Cartas Portuguesas

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